Em um canto da Amazônia, onde o silêncio fala mais alto que o sinal de celular, 38 indígenas da etnia Tiriyó acabam de ganhar algo invisível, mas essencial: o reconhecimento de que existem perante o Estado brasileiro. A Defensoria Pública do Amapá (DPE-AP) entregou suas primeiras Certidões de Nascimento, transformando nomes e histórias em cidadania reconhecida.
Os documentos, entregues à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), serão levados até as aldeias localizadas no coração do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, uma das regiões mais isoladas e preservadas da Amazônia.
Lá, onde o acesso é feito por rios extensos e trilhas que cortam a mata, a ausência de registro civil impede o acesso a serviços básicos, como saúde, educação e benefícios sociais.
“Por meio da certidão, a pessoa passa a ser formalmente reconhecida como cidadã, o que possibilita, por exemplo, o acesso ao SUS, à escola e a outros direitos fundamentais”, explicou o defensor público Gustavo Siqueira, que coordenou a ação.
Para ele, “a certidão de nascimento é a porta de entrada para o exercício pleno da cidadania”.
No Tumucumaque, a distância do poder público é medida em dias de viagem, e não em quilômetros. O simples ato de registrar um nascimento torna-se um feito político, um gesto de presença do Estado onde ele quase nunca chega.
A defensoria realizou a entrega após uma missão institucional à região, com apoio logístico da Funai, que será responsável por repassar as certidões às famílias no dia 20 de novembro. Cada documento representa mais do que um número em papel: é um reconhecimento de pertencimento, uma forma de dizer “você existe” — e, portanto, tem direitos.
A servidora Suzana Ribeiro, da Funai, destaca que o desafio vai muito além da documentação: “Para chegar à cidade mais próxima, Laranjal do Jari, o deslocamento é complexo. O ponto de assistência social da Funai mais próximo fica em Macapá. Por isso, essa atuação da Defensoria abriu portas importantes”, disse.
Segundo ela, as certidões representam segurança e dignidade para os indígenas. “A partir desse documento, essas pessoas passam a ter a garantia de que o Estado as reconhece e deve protegê-las”, completou.
Enquanto nos centros urbanos a certidão é um papel banal, nos rios do Tumucumaque ela é um passaporte para a vida. O documento, que aqui nasce entre impressoras e cartórios, lá chega de canoa, em silêncio e esperança.
E cada assinatura da Defensoria carrega um simbolismo: o de um país que, mesmo distante, ainda tenta se reencontrar com seus povos originários.
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