Antes corte de fita, ali no fim da rampa do Santa Inês, onde agora reina o novíssimo Terminal Hidroviário Hercílio Mescouto, era território de outros desembarques: os do desejo e da distração.
Por décadas, foi ponto fixo de namorados e suas paixões apressadas. Não era raro ouvir que “mais um carro caiu na água”, como se fosse parte da maré. A receita era sempre parecida: casal apaixonado, noite quente, motor ligado, freio esquecido e pluft, o carro mergulhava, e lá ia o Corpo de Bombeiros resgatar mais uma paixão molhada.
O local ganhou fama de “fábrica de CPF”, uma metáfora urbana para a fertilidade emocional que por ali circulava. Dizem, de forma exagerada, que há um bairro inteiro de gente que começou no banco de um carro naquela rampa.
Pois bem. Aquele cenário de beira improvisada e história molhada deu lugar à modernidade. Foi inaugurado o Terminal Hidroviário de Macapá, um espaço digno das águas que nos cercam. Com estrutura coberta, acessibilidade e conforto, finalmente os passageiros que seguem rumo a Afuá, Chaves e outras ilhas do Pará e Amapá não vão mais precisar esperar embarque debaixo de sol ou chuva.
A homenagem ao engenheiro Hercílio Mescouto, pioneiro da engenharia amapaense, é o tempero emocional que faltava. Não é só um nome na fachada: é memória ancorada. Hercílio ajudou a construir muito do que a cidade hoje chama de chão firme, e batizar o terminal com seu nome é como amarrar uma canoa à história com corda de gratidão.
Agora, ao invés de carros submersos e romances distraídos, teremos embarques organizados, famílias protegidas do sol de rachar e do alagamento súbito. O que era o fim da linha, virou ponto de partida.
É o fim da era do “carro no rio” e o começo de outra: a da dignidade hidroviária. Mas convenhamos: entre um barco e outro, ainda vai ter gente parando ali só pra lembrar o rolava antes da obra.
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