Nascida em Pompéu, interior de Minas Gerais, a veterinária Lilian Lacerda, de 37 anos, trocou a promissora carreira em Fertilização in vitro (FIV) e gestão de laboratório na capital mineira por um novo horizonte no Amapá. Trocou o microscópio pela ordenha, a precisão laboratorial pela alquimia ancestral do queijo.
Não por acaso, o destino a trouxe para Laranjal do Jari, um pedaço do Amapá onde o rio tece a vida e a espera, por vezes, se veste de esquecimento. Mas Lilian não veio para esperar.
Ela chegou com Marcos, o companheiro de Minas. Ele também atraído pelo chamado da Amazônia, primeiro como enfermeiro, depois médico, um retorno desejado à terra que o acolhera. Para Lilian, a escolha era um nó na garganta: a carreira promissora em Belo Horizonte ou o laço familiar que a puxava para as margens do Rio Jari. A família venceu, como tantas vezes acontece no silêncio do coração. Mas o silêncio do lar não era para Lilian. “Eu não queria ser conhecida apenas como a esposa do médico”, brinca.

E em um pedaço de terra recém-comprado, enquanto o verde amazônico pulsava ao redor, uma ideia começou a fermentar, tão naturalmente quanto o leite coalhando. Faltava algo nos mercados de Laranjal do Jari, um vazio nas prateleiras que Lilian, com seu olhar atento, percebeu. Foi ali, na escassez, que a visão empreendedora acendeu sua chama.
Sem nunca ter feito um queijo, Lilian se lançou na aventura. Cursos rápidos e o leite de pequenos produtores locais como matéria-prima para seus primeiros experimentos. Cada tentativa, um aprendizado; cada erro, um degrau na escalada. A muçarela abriu caminho, os queijos prensados vieram depois, e por fim, a doçura cremosa dos iogurtes.
"No começo, cada queijo era uma aventura! Mas cada erro foi um aprendizado. A persistência foi fundamental,", destacou.
O Amapá é a terra dos desafios logísticos, onde quase tudo chega de longe, cobrando seu preço em impostos e em dificuldades. A falta do título da terra, a porta fechada dos bancos. Cada real investido era fruto do suor, da reinvenção constante, da crença obstinada em seu projeto. E no meio de tudo, Joaquim, o filho pequeno, demandando o tempo e o afeto de uma mãe que também precisava ser empresária, pecuarista, queijeira e esposa.

"Conciliar a maternidade com o trabalho na fazenda até hoje é um desafio constante. Houve dias em que me senti exausta, aliás ainda me sinto, mas o amor pelo Joaquim e a satisfação de ver a Ouro Branco crescendo me dão forças para seguir em frente," confessa Lilian, com emoção.
Também houve a dificuldade de encontrar mãos dispostas e capacitadas a acompanhá-la no ritmo exigente da fazenda. Mas a paixão a impulsionava. Mesmo grávida, mesmo no resguardo da cesárea, Lilian colocava a mão na massa, garantindo que o Fazenda Ouro Branco mantivesse seu brilho. “A paixão pelo que faço me fez superar essas dificuldades," revela, com um brilho nos olhos.

Então veio a mão amiga do Sebrae, um apoio que nutriu o gado, ensinou as boas práticas na queijaria e gestão, como um vento favorável a impulsionar a pequena embarcação de Lilian. E Marcos, o marido, o parceiro silencioso que oferece o suporte constante, a âncora nos momentos de turbulência.
“Eles [Sebrae] nos deram as ferramentas e o conhecimento para profissionalizar a produção e a gestão da fazenda," reconhece. Atualmente, Lilian lidera uma equipe dedicada no curral e na produção dos laticínios, com o suporte constante do marido.

Hoje, a Fazenda Ouro Branco não é apenas o sonho realizado de uma mulher que ousou ser mais do que a "esposa do médico". É um motor que pulsa na economia local, gerando nove empregos diretos, valorizando a produção vizinha ao comprar as polpas de frutas amazônicas para seus iogurtes.
"A Amazônia tem uma riqueza de sabores incríveis. Ao valorizar os produtores locais, contribuímos para o desenvolvimento sustentável da região incentivando de certa forma o empreendedorismo," explica com convicção.

Dos 15 animais iniciais, o rebanho cresceu para 75 cabeças, garantindo um leite que carrega a identidade da fazenda. Os iogurtes já conquistaram as gôndolas de Laranjal do Jari e Macapá, ostentando o Selo Amapá como um reconhecimento da qualidade.

Lilian planeja alçar voos ainda mais altos, buscando a certificação para seus queijos e doce de leite. Quer levar o sabor do Ouro Branco para mais mesas, para corações que pulsam muito além da fronteira.
Sua história, tecida com os fios da resiliência e da paixão, é um testemunho da força da mulher que empreende, que concilia a maternidade com a ousadia de construir seu próprio caminho, deixando sua marca na terra e na vida de sua comunidade.
No Vale do Jari, o ouro não se esconde nas profundezas da terra, mas brota, branco e saboroso, pelas mãos de Lilian.

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