Enquanto a lida diária do macapaense comum segue marcada pela busca por atendimento digno nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) – muitas delas ainda aos trancos e barrancos – a Prefeitura de Macapá, sob o comando de Antônio Furlan, abriu os cofres públicos para investir em um equipamento que, à primeira vista, parece dançar noutro compasso. A Rampa Náutica Deputado Ocivaldo Gato entregue na orla do Araxá no início de abril, custou a cifra nada singela de R$ 677.453,58 do Tesouro Municipal.
A vocação da nova rampa é clara: servir de ponto de embarque e desembarque para jet skis, voadeiras, e impulsionar atividades como wakeboard, kitesurf, triatlo, caiaque. Um universo aquático que, na Macapá real, soa mais como paisagem distante para a imensa maioria da população do que como uma opção de lazer ou esporte.
É o reino dos motores potentes, das pranchas caras, dos equipamentos que exigem investimento. Em suma, um espaço público construído com dinheiro de todos, mas que, na prática será usufruto daqueles a quem a vida já sorri com mais fartura.
E aqui reside o ponto central da questão. O mesmo Tesouro Municipal que banca a rampa de quase R$ 700 mil é aquele que, invariavelmente, é lembrado quando falta insumo na UBS, quando a fila para uma consulta é longa, quando a infraestrutura básica do bairro periférico clama por atenção que não chega.
A prioridade, aos olhos de muitos, parece invertida. O dinheiro que poderia, quem sabe, reformar ou equipar melhor uma unidade de saúde, está ali, brilhando no Araxá, pronto para receber os brinquedos aquáticos.
Imagine o olhar da criança ribeirinha, daquelas que crescem com a água como vizinha, mas que veem nela apenas o caminho para a escola (quando há escola), a fonte de sustento (quando há sustento) e o palco de desafios diários.
Essa criança, talvez, passe pela orla, veja os jet skis coloridos, as voadeiras velozes, o movimento na nova rampa. O olhar curioso, talvez deslumbrado por um instante, logo esbarra na dura realidade: aqueles equipamentos não são para ela.
Ou seja, aquela rampa, embora pública, não foi feita para o seu pé descalço.
É um bem construído com o dinheiro da sua família, do imposto pago pelo seu pai, pela sua mãe, mas que permanece longe do seu toque, do seu acesso. Um lembrete silencioso de que, na divisão das prioridades do poder público, há quem flutue em águas calmas e quem continue à deriva, esperando por aquilo que é básico.
A rampa está entregue. O gasto, feito. A pergunta que ecoa em Macapá é: para quem, de fato, foi feito esse investimento? Para quem o Rio Amazonas se tornou mais acessível com quase R$ 700 mil do dinheiro público? A resposta, para muitos, parece boiar à vista de todos.
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