Há histórias que pesam mais que a própria lei. Maria*, empregada doméstica, carregou por nove anos o fardo de uma acusação sem provas: a de ter induzido o próprio filho a matar. Na madrugada de 29 de setembro, o júri finalmente devolveu a ela o que o tempo havia roubado: o direito de respirar sem culpa.
A história
Em maio de 2016, uma discussão de vizinhos virou tragédia. Maria foi agredida, voltou para casa em lágrimas, e o filho de 16 anos, tomado pela raiva e pela dor de ver a mãe ferida, pegou uma espingarda. Mirava Romário*, o agressor, mas o tiro errou de destino e matou a esposa dele.
João*, adolescente à época, foi responsabilizado e cumpriu três anos de internação socioeducativa. Mas a mãe, que não segurou arma alguma, passou a ser arrastada por um processo que insistia em culpá-la por induzir o filho.
O inquérito caminhou a passos arrastados. Primeiro, testemunhas não citavam o nome dela. Depois, contraditoriamente, passaram a envolvê-la. Em 2019, três anos após o episódio, o Ministério Público apresentou denúncia formal.
A partir dali, a vida de Maria entrou em suspensão. Teve de deixar sua casa, mandar dois filhos para Belém e viver apenas com o mais novo, autista e totalmente dependente dela. A rotina passou a ser moldada pela sombra do processo que parecia não ter fim.
Como a Defensoria Pública desmontou a acusação?
A defensora pública Laura Lélis sustentou diante dos jurados o princípio da intranscendência da pena: ninguém pode pagar por crime cometido por outra pessoa. Não havia testemunha, não havia prova, apenas a necessidade da família da vítima de encontrar mais alguém para carregar a dor da perda.
Foram quase 18 horas de julgamento e a sentença absolveu Maria. O júri reconheceu que a tentativa de envolvê-la era injusta, fruto de uma ânsia social por reparação que recaiu sobre a pessoa errada.
“Essa mãe teve a vida toda modificada. Teve que deixar a casa, a rotina, o contato com os filhos. A absolvição representa justiça não só para ela, mas para todos nós”, disse a defensora.
Maria volta a viver, ainda que marcada por quase uma década de silêncio, afastamento e medo. Sua história revela que a justiça não é apenas decisão jurídica: é também a devolução da dignidade a quem foi injustamente crucificado.
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