A prefeitura de Macapá iniciou oficialmente, na última sexta-feira (8), o processo para contratar um empréstimo de R$ 200 milhões, em operação de crédito que promete turbinar obras de infraestrutura e ao mesmo adquirir uma dívida pesada que vai atravessar gestões e impactar gerações de contribuintes. A abertura dos envelopes com as propostas dos bancos está marcada para 29 de agosto, às 9h30.
O edital revela que o município pretende contratar a operação com garantia da União, oferecendo como contrapartida receitas próprias e repasses constitucionais, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Na prática, significa que, em caso de atraso ou inadimplência, os valores poderão ser retidos diretamente pela União, afetando a capacidade de pagamento de serviços essenciais como saúde, educação e previdência.

O que está em jogo e por que preocupa
Além de oferecer o FPM como garantir de pagamento, em caso de atraso, a possibilidade de encargos variáveis indexados ao CDI, torna o custo da operação sensível a oscilações de mercado. Ambos os itens constam do termo de referência e do edital do chamamento.
Além disso, o edital exige que o Custo Efetivo Total (CET) seja apresentado “all in” e respeite os limites da tabela da Secretaria do Tesouro Nacional, porém não fixa hoje a taxa ou o spread, deixando o município à mercê das condições definidas pelos bancos proponentes. O pagamento de juros e encargos poderá ocorrer já durante a carência, conforme proposta contratual, outra fonte de pressão sobre as contas públicas.
Contragarantias e receitas municipais: o nó orçamentário
O chamamento deixa explícito que, para viabilizar a operação com garantia da União, o município oferece contragarantias sobre receitas previstas na Constituição. Em termos práticos, isso significa que fatias das receitas próprias e dos repasses federais e estaduais podem ser comprometidas para honrar a dívida, reduzindo o espaço fiscal para saúde, educação e previdência municipal.
Em caso de desequilíbrio fiscal, a alternativa frequentemente disponível é o redirecionamento de receitas, cortes em investimentos, aumento de tributos ou novas operações de crédito, medidas que empurram custos para administrações futuras. Por isso, um empréstimo de 10 anos com carência de 12 meses tende a se transformar em obrigação que “perpassa” gestões seguintes.
Riscos mais imediatos e consequências práticas
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Encarecimento por variação do CDI: se a taxa de referência subir, os juros (CDI + spread) também sobem, elevando o custo total do financiamento.
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Desembolso em parcela única: concentra os recursos de investimento num único momento, mas cria obrigação de serviço da dívida a ser paga ao longo de 10 anos; se as obras atrasarem, o município arca com a dívida enquanto a entrega fica pendente.
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Pressão sobre receitas de custeio e previdência: mesmo que a lei municipal proíba aplicação em despesas correntes, o comprometimento de receitas e a necessidade de ajustes orçamentários podem reduzir gastos em saúde, educação e manutenção do serviço público.
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Dependência de aprovação federal: a contratação depende de aval da Secretaria do Tesouro Nacional e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; qualquer exigência desses órgãos pode atrasar ou alterar condições.
Transparência e controle: sinais a observar
O termo de referência indica a existência de um Estudo de Viabilidade Econômico-Financeira (EVEF) e exige memória de cálculo e cronograma financeiro nas propostas; porém, para a sociedade acompanhar de fato os riscos seria necessário publicar o EVEF detalhado e as simulações de impacto orçamentário ao longo da vigência do contrato. Sem esses documentos amplamente divulgados, fica difícil aferir se o município realmente tem capacidade de pagamento sem sacrificar serviços essenciais.
Dívida hoje, contas amanhã
O empréstimo pode acelerar obras necessárias em distritos e vias de Macapá, mas o formato escolhido - parcela única, juros variáveis e garantia sobre receitas municipais - transfere grande parte do risco para o futuro. Mesmo com a carência inicial, o município assume obrigação de longo prazo que reduzirá margem fiscal e pode forçar escolhas impopulares nas próximas gestões.
Em linguagem direta: é uma conta que começa a ser feita agora, mas que será cobrada por muitos anos, por administrações e gerações que não decidiram por ela.
Receitas e impostos que serão usados como garantia
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156 da Constituição Federal: Aqui estão os impostos de competência direta do município. São eles:
- Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
- Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
- Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
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158 da Constituição Federal: Este artigo se refere a receitas que, mesmo sendo arrecadadas por outros entes federativos (União ou Estado), são repassadas aos municípios. São impostos como:
- Parte do Imposto de Renda (IR) retido na fonte por eles mesmos.
- Parte do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) arrecadado pelo Estado.
- Parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) arrecadado pelo Estado.
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159, inciso I, alíneas "b", "d", "e" e "f" da Constituição Federal: Essas alíneas são a base legal para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Elas definem os percentuais e as datas em que a União deve repassar aos municípios parte da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
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